Eu tinha sete anos e estava me arrumando para ir pra escola. Minha mãe
penteava (arrancava) os nós dos meus cabelos. Com a saia e a blusinha
colocadas, um gloss nos lábios, sentei-me à cama e estendi o pezinho tamanho 29
para que ela amarrasse meus tênis vermelhos. Enquanto ela amarrava, olhava no
espelho o penteado recém feito, o gloss que brilhava e o quanto eu estava
bonita naquele dia. Quando ela terminou de fazer o laço perfeitinho com os
cadarços do tênis, eu disse:
-
Mãe, tem uma pedrinha dentro do meu tênis!
Já
estávamos atrasadas. Em alguns minutos eu já deveria estar a caminho da escola.
Ela olhou pra mim, respirou fundo e disse:
-
Vai incomodar no começo, mas depois tu acostuma.
Eu
insisti:
-
Mãe! Não vou acostumar! Desamarra e tira pra mim?
-
Vai acostumar sim – disse ela olhando-se no reflexo do espelho enquanto
ajeitava o bojo do sutiã.
Dentro
do carro, a pedrinha ainda incomodava. Olhava pra paisagem que eu via todos os
dias, distraía-me com os latidos bravos de um cachorro, mas volta e meia olhava
pro meu tênis e desejava muito arrancar aquela pedrinha fora. Mas eu nunca
saberia fazer um top tão bonito novamente.
Cheguei
na escola incomodada. Pisava com o pezinho torto tentando fazer malabarismos
para desviar daquela maldita pedrinha lá dentro. Sentei-me com minhas colegas e
falei que tinha uma pedrinha me incomodando. Me chamaram de exagerada e
prontamente copiaram o que a tia passava na lousa. Nunca julgue a pedrinha no
tênis dos outros.
Comecei
a desenhar a letra redondinha no meu caderno e fazer alguns desenhos nas
bordas. Passei meu gloss. Emprestei minha caneta colorida praquela colega que
eu mal falava. Troquei adesivos da Hello Kitty com minha melhor amiga.
E
esqueci a tal pedrinha.
Só
fui lembrar dela muito tempo depois, quando levantei (ou melhor, saí correndo,
como toda boa criança de 7 anos de idade) pro recreio. Ela incomodou, mas dessa
vez eu sabia: deixa ela lá que passa.
Essa
não foi a única pedrinha que entrou no meu tênis e ficou o dia inteiro ali,
mesmo quando eu não lembrava dela. Elas foram mais frequentes do que eu podia
imaginar ao longo da minha vida, e algumas dessas pedras realmente incomodaram.
Não minto: tive pedrinhas que eram verdadeiras rochas sedimentares, que
acumularam histórias por muito tempo e me obrigaram a tirar o tênis mesmo sem
desamarrar o top. E pra colocar de volta? O top nunca fica igual. Aí você usa
ele como pantufa mesmo, enfia o pé ali, abaixa aquela partezinha de trás e
esmaga ela. Não é a maneira mais confortável, mas a gente se vira como pode.
Mas
às vezes, por mais que incomode, que cutuque, que infernize a sua vida, deixar
aquela pedrinha lá é o melhor caminho. Você vai lembrar dela frequentemente,
mas isso não é necessariamente negativo: você estará aprendendo a ter
paciência. E isso, meu caro, é melhor aprender com as pedrinhas do que com as
pessoas.
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