“- Então, pai,
é amanhã que apresento minha peça de teatro e...” Não houve fôlego para
terminar a frase, pois a escuridão tomou
conta de meu quarto e os gritos de pavor no corredor amedrontaram aqueles que
estavam sozinhos em seus dormitórios, como eu. Um apagão nunca é algo muito
gratificante de se vivenciar, principalmente quando no outro dia se tem
trabalhos para entregar ou até mesmo uma peça de teatro para apresentar.
Na Escola Sesc
de Ensino Médio, um apagão rende, além de um grande estoque de aparelhos
eletrônicos no Achados e Perdidos, algumas notas baixas e, principalmente,
muitas picadas de mosquito. Nessas horas, o jeito é recorrer a um amigo que, de
preferência, seja dono de uma lanterna. Porém, nem todos têm essa sorte.
Não foi a toa
que, em poucos minutos, o corredor ficou lotado de meninas desesperadas por
alguma fonte de luz. Cada uma procurava sua maneira de cumprir as tarefas
pendentes e a inquietude tomava conta das garotas. Muitas, sem encontrarem
refúgio para a escuridão, renderam-se à diversão. Surpreendentemente, em poucos
minutos surgiram rodinhas de violão e de conversas, coisas que, em dias comuns,
são muito raras.
Esta é a
função de um apagão: fazer com que o improvável aconteça. Ele serve exatamente
para a mesma coisa que o atraso de um voo, um engarrafamento ou um movimento
desastroso. Sua função não é estragar os planos de sua vítima ou complicar sua
vida. É simplesmente alterar sua rotina, o fazer escolher um caminho diferente,
sair da vida caótica e conhecer alguém novo.
Porém, quando
uma dessas situações inusitadas acontece conosco, a reação é unânime: uma
interjeição de desaprovação, um revirar de olhos e a face preocupada. Talvez
ninguém perceba o lado positivo de situações como essas, afinal, como bons
escravos do relógio, não temos tempo para imprevistos. E, quando eles
acontecem, pensamos “ah, por que comigo?”.
Contudo,
devemos aproveitar mais nossos atrasos e apagões, afinal, nada melhor do que
uma escuridão para respirarmos novamente. A ausência de luz dá medo e
desespero, mas é uma bela ocasião para um grito de liberdade.
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