sábado, novembro 24, 2012

O que os olhos não veem



“- Então, pai, é amanhã que apresento minha peça de teatro e...” Não houve fôlego para terminar a frase,  pois a escuridão tomou conta de meu quarto e os gritos de pavor no corredor amedrontaram aqueles que estavam sozinhos em seus dormitórios, como eu. Um apagão nunca é algo muito gratificante de se vivenciar, principalmente quando no outro dia se tem trabalhos para entregar ou até mesmo uma peça de teatro para apresentar.

Na Escola Sesc de Ensino Médio, um apagão rende, além de um grande estoque de aparelhos eletrônicos no Achados e Perdidos, algumas notas baixas e, principalmente, muitas picadas de mosquito. Nessas horas, o jeito é recorrer a um amigo que, de preferência, seja dono de uma lanterna. Porém, nem todos têm essa sorte.

Não foi a toa que, em poucos minutos, o corredor ficou lotado de meninas desesperadas por alguma fonte de luz. Cada uma procurava sua maneira de cumprir as tarefas pendentes e a inquietude tomava conta das garotas. Muitas, sem encontrarem refúgio para a escuridão, renderam-se à diversão. Surpreendentemente, em poucos minutos surgiram rodinhas de violão e de conversas, coisas que, em dias comuns, são muito raras.

Esta é a função de um apagão: fazer com que o improvável aconteça. Ele serve exatamente para a mesma coisa que o atraso de um voo, um engarrafamento ou um movimento desastroso. Sua função não é estragar os planos de sua vítima ou complicar sua vida. É simplesmente alterar sua rotina, o fazer escolher um caminho diferente, sair da vida caótica e conhecer alguém novo.

Porém, quando uma dessas situações inusitadas acontece conosco, a reação é unânime: uma interjeição de desaprovação, um revirar de olhos e a face preocupada. Talvez ninguém perceba o lado positivo de situações como essas, afinal, como bons escravos do relógio, não temos tempo para imprevistos. E, quando eles acontecem, pensamos “ah, por que comigo?”.

Contudo, devemos aproveitar mais nossos atrasos e apagões, afinal, nada melhor do que uma escuridão para respirarmos novamente. A ausência de luz dá medo e desespero, mas é uma bela ocasião para um grito de liberdade.

Texto feito à partir da proposta de crônica baseada no cotidiano da Escola Sesc de Ensino Médio

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