segunda-feira, outubro 01, 2012

Chamada Perdida


  “Atenção proprietário do automóvel de placa IAP-1421, favor comparecer ao estacionamento com urgência”. Essa frase proferida escandalosamente no autofalante do supermercado interrompeu meus mórbidos pensamentos a respeito do requeijão que agora segurava em mãos. Já nem lembrava os motivos pelos quais estava analisando minuciosamente quantidade calórica desse no verso da embalagem. Devolvi o frasco ao seu local de origem e saí pelos corredores tomados de alimentos, empurrando meu carrinho de compras versão light. A cada troca de corredor me perguntava o quão estranho isso parecia aos olhos dos outros: uma mulher da minha idade fazendo compras sozinha. E pior ainda é que seja para uma dieta datada para começar em todas as segundas-feiras. A moça que trocava sorrisos confortantes comigo do outro lado da prateleira de pães parecia ver em meus olhos o desconforto.

  Saí do supermercado com duas sacolas em mãos e uma vontade imensa de curtir minha solidão assistindo a um filme. Ora, a quem eu estava querendo enganar! Sabia mais do que ninguém o quanto esperava pela ligação a mim prometida na noite passada. O cheiro dele ainda estava fixado nas minhas roupas e sua presença se fazia necessária a cada minuto que passava. No caminho de casa, checava a caixa de mensagens a cada 5 minutos, os quais pareciam uma eternidade. Ele ia me ligar, eu tinha certeza. Enquanto isso, eu curtiria a minha solidão.

  Ao passo que subia as escadas do prédio, me dava conta de que já não fazia isso tão bem quanto antigamente. Dei mais uma olhada no celular e jurei, pela terceira vez, que essa seria a última.
Ao abrir a porta do apartamento, me deparei com aquele retrato compactado de minha vida, exatamente como eu havia deixado. Larguei as compras em cima da mesa e soltei um suspiro, na esperança que este levasse consigo todo esse peso de ser sozinha. Sem mais opções de lazer, me joguei no sofá desarrumado e, com o controle remoto em mãos, liguei a televisão. Inútil. Meus pensamentos eram tão altos que mal conseguia ouvir ao fundo a moça do tempo avisando que teríamos chuva para o fim de semana. Nada me satisfazia e a solidão me importunava. Imediatamente fui ao meu armário de distrações e, sem pensar duas vezes, peguei as duas últimas garrafas de vinho que ali se encontravam. Despejei o líquido cor de sangue na taça transparente e o bebi como se fosse a última coisa que faria na vida. Fui cambaleando até a janela que dava para a avenida e puxei a tranca. O vento gelado movimentou meus cabelos e me fez companhia. Com o celular e a taça em mãos, sentei-me no parapeito, vendo a imensidão negra que se punha junto das estrelas, me coloquei a observar. Então, chequei mais uma vez o celular e deixei-o de lado, um pouco mais afastado para evitar a compulsão. Empinei mais duas taças daquele vinho que me descia amargo e queimando a garganta. Olhava para baixo e só via alguns pontos luminosos, a vida sendo vista da janela do oitavo andar. Balançava os pés para sentir o vento por entre os dedos e tentava ao mesmo tempo entender o porquê de estar ali, sozinha, enquanto ouvia ao longe o som das buzinas na agitada capital.
 
  Em meio a suposições e confusões, uma luz proveniente da tela do celular iluminou os arredores da antiga janela. Não acreditando que finalmente ele estaria ligando, num ato impulsivo, joguei-me em cima do celular e fui tomada por um arrepio gélido. Via-me envolta e abraçada pelo vento cada vez mais gelado e assistindo ao longe a luz se apagar. Então, os sons de buzina e a vida antes tão distantes foram se aproximando e a vitalidade que em mim existia foi se esvaindo. Senti o atrito de meu corpo contra o chão e o peso de toda a solidão do mundo sob meu peito, antes que tudo escurecesse por completo.

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