terça-feira, julho 21, 2015

Em mãos




“Um homem não é outra coisa
senão o que faz de si mesmo.”
Jean-Paul Sartre

A sala estava perfumada com aquele aroma cítrico, um perfume francês chamado Mijeau de Gateau. A mulher jogava os dados e gritava a cada casa que o personagem andava: adorava brincar com a vida dos outros. Era Maria Eugênia, cigana, dona dos destinos, popularmente conhecida como Vida. Ai de quem se metesse com ela. Tinha o poder do destino na ponta do dedo.

Eis que entre um grito de felicidade e outro de desgosto por ter tirado o número 1 no dado, aparece na sala um homem robusto, digno de cena de filme apelativo. Vida levantou os olhos e sorriu: mais uma vítima. O homem sorri de volta – percebeu que lhe faltava um dente. O pivô de ouro no canto esquerdo da boca reluzia e, não bastasse isso, tirou do bolso um palitinho de madeira e começou a mordiscar. Parecia que tinha gosto de capim, mas ele mordia com tanta vontade que até lhe fez simpatizar pela caipirez do moço.

A mulher tirou o tabuleiro de dados de cima da mesa e jogou-o no chão. Fumou seu charuto com vontade e, jogando a fumaça nas ventas do seu cliente, perguntou:

- Veio procurar a tia Vida por que, periquitinho?

- Assim, senhora. Ouvi dizer aí na rua que a tia aí muda o destino da gente. Quero saber quanto tu me cobra pra ganhar na loteria e encontrar uma mulher?

A mulher pigarreou. Não se rendia fácil a fazer grandes favores, mas tinha que abrir exceção: era um caipira bem ajeitado e parecia ser montado na grana.

- Claro, periquitinho. Vamos ver o que o Jogo da Vida reserva pra você. – disse ela abrindo outro tabuleiro esse, dessa vez, parecia coisa séria.

Começou a franzir a testa, parecendo intrigada. Continuava brincando com a fumaça, deixando a sala com um ar denso e cheio de entrelinhas. Respirou fundo e, com um sorriso malicioso nos lábios falou:

- Seguinte: vai custar uma graninha salgada isso aqui, fío. Mas é só tu botar um estímulo na minha mão que te devolvo a grana exponencialmente. Topa?

-Ô, Vida! É pra já. – E colocou a mão no bolso animado. Tirou da carteira a quantia pedida pela mulher e mais um pouco. Nunca se sabe o quanto é suficiente para satisfazer o destino. Olhou para a quantia de dinheiro na mão da moça e falou:

- Não, calma aí! Toma isso aqui também, só pra dar uma animadinha no teu trabalho. – E arrancou seu pivô de ouro.

Vida pedia mais. Era muito trabalho pra pouco lucro. O homem saiu da cabana sentindo-se ligeiramente mais leve – de alma e de quantidade monetária. Acenou de longe, agradeceu o atendimento de Vida e saiu feliz (da vida). 

Seu sorriso foi interrompido por um arrasto: um caminhão de dinheiro passava na rua no momento que atravessou levando no rosto seu sorriso de esperança.  Vida sabia e só ria. Nunca havia sido tão fácil faturar em cima do destino.


4 comentários:

  1. Nossa, que conto show! Final épico, rsrs. Adorei.

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  2. HAHAHAHAH que legaaaaaaaaaaal. Você que escreveu? fiquei babando nesse conto, gente.
    MARAVILHOSO. Nunca esperaria esse o final, mas pelo andar da história, sabia que ia ser surpreendente

    beijo
    beinghellz.blogspot.com

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    Respostas
    1. Sim, é meu hahahahah Fico feliz que tenha gostado! Beijos, volte sempre!

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