Acreditas se te disser que vim
aqui esta noite pra te ver orando, Maria? Tua roupa branca e esse cabelo até a
cintura dão margens pros maiores pecados dessa terra, minha Branca. Fazes-te
desentendida quando encara meu olhar petulante, mas nunca ousas desligar-se
dele. Ô, Maria! Não desonres o nome de Deus. Sabes os murmurinhos que correm
por aí. Nas ruas desencaminhadas desse mundo teu nome corre solto. Creio que já
nem recordas mais o que te levou a esse momento.
Deixe comigo essa tarefa. Não
bastasse a ousadia e audácia de escapar-te da Casa de Irmãs porque temia a
santidade, saía pelas noites pelas tavernas escolhendo onde escorar-te,
ajoelhava-te em frente ao altar quando já não recobrava a consciência e orava
insanamente. Numa dessas suas noitadas, Maria, você conheceu um rapaz
enrubescido que, com cara de inocente, na cama provou-te o contrário. Não dizes
que não lembras, minha Branca! Tua pureza exalta aos olhos, mas não engana
ninguém. Sabes muito bem dos seus pecados.
Agora que vejo tuas faces tênues
me recordo da sua exaltação naquela noite. Passou-se um par de meses e recebi
de ti uma visita inesperada. Enches-te minha sala de pureza para despejar
malícias sobre meus alvos lençóis. Estavas tu inconsciente aquela noite? Lembro-me
que falava muito dos frutos das inconveniências da vida. E das tuas mais
profundas mágoas surgiu o fruto a que te referias. Tu colocaste no mundo alguém,
e fugiste da responsabilidade de decepcionar-te com Deus. Sinto muito dizer-te,
mas Ele que se envergonha de ti, Maria. Dizias-te santa, mas me provava falar o
santo nome em vão.
A juventude escorria-te pelas
faces quando resolveu não mais olhar ao teu redor. Destes a criança a um
qualquer, tirando-lhe a pouca honra que já tinha. Com teus cabelos soltos saiu
correndo pelas ruas, perdida, procurando uma forma de te reconciliar com Deus.
Teu nome é puro, Maria, mas tua pessoa não. Por isso nem devias ter clamado por
ajuda na porta do teu velho convento. Mesmo que não merecesse, te acolheram. E
tu deixaste-me aqui, aguardando teu retorno.
Ah, mas hoje te achei. Vagando
louca pelas ruas com roupas alvas. Pensa que és quem para orar pela alma dos
outros? Pensas que a tua está a salvo? Agradeces a mim, vá! Que te trouxe aqui
e te coloquei de joelhos com as mãos entrelaçadas como se rezasse uma Ave
Maria. Rezei pela tua alma sem salvação e te dei a bênção de partir em minha
companhia. Ah Maria, tão branca e serena. Foi buscar longe daqui a santidade
que merecia. O sangue escarlate que te escorre as faces é prova do teu esforço
em vão. Foi chegar perto do Pai pra pedir perdão pelos teus erros. Mas eu não
te perdoo: eu te condeno.
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