terça-feira, janeiro 21, 2014

Ave, Maria


Acreditas se te disser que vim aqui esta noite pra te ver orando, Maria? Tua roupa branca e esse cabelo até a cintura dão margens pros maiores pecados dessa terra, minha Branca. Fazes-te desentendida quando encara meu olhar petulante, mas nunca ousas desligar-se dele. Ô, Maria! Não desonres o nome de Deus. Sabes os murmurinhos que correm por aí. Nas ruas desencaminhadas desse mundo teu nome corre solto. Creio que já nem recordas mais o que te levou a esse momento.

Deixe comigo essa tarefa. Não bastasse a ousadia e audácia de escapar-te da Casa de Irmãs porque temia a santidade, saía pelas noites pelas tavernas escolhendo onde escorar-te, ajoelhava-te em frente ao altar quando já não recobrava a consciência e orava insanamente. Numa dessas suas noitadas, Maria, você conheceu um rapaz enrubescido que, com cara de inocente, na cama provou-te o contrário. Não dizes que não lembras, minha Branca! Tua pureza exalta aos olhos, mas não engana ninguém. Sabes muito bem dos seus pecados.

Agora que vejo tuas faces tênues me recordo da sua exaltação naquela noite. Passou-se um par de meses e recebi de ti uma visita inesperada. Enches-te minha sala de pureza para despejar malícias sobre meus alvos lençóis. Estavas tu inconsciente aquela noite? Lembro-me que falava muito dos frutos das inconveniências da vida. E das tuas mais profundas mágoas surgiu o fruto a que te referias. Tu colocaste no mundo alguém, e fugiste da responsabilidade de decepcionar-te com Deus. Sinto muito dizer-te, mas Ele que se envergonha de ti, Maria. Dizias-te santa, mas me provava falar o santo nome em vão.

A juventude escorria-te pelas faces quando resolveu não mais olhar ao teu redor. Destes a criança a um qualquer, tirando-lhe a pouca honra que já tinha. Com teus cabelos soltos saiu correndo pelas ruas, perdida, procurando uma forma de te reconciliar com Deus. Teu nome é puro, Maria, mas tua pessoa não. Por isso nem devias ter clamado por ajuda na porta do teu velho convento. Mesmo que não merecesse, te acolheram. E tu deixaste-me aqui, aguardando teu retorno.


Ah, mas hoje te achei. Vagando louca pelas ruas com roupas alvas. Pensa que és quem para orar pela alma dos outros? Pensas que a tua está a salvo? Agradeces a mim, vá! Que te trouxe aqui e te coloquei de joelhos com as mãos entrelaçadas como se rezasse uma Ave Maria. Rezei pela tua alma sem salvação e te dei a bênção de partir em minha companhia. Ah Maria, tão branca e serena. Foi buscar longe daqui a santidade que merecia. O sangue escarlate que te escorre as faces é prova do teu esforço em vão. Foi chegar perto do Pai pra pedir perdão pelos teus erros. Mas eu não te perdoo: eu te condeno.

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