O que nosso
“eu” vira enquanto tentamos parecer algo que não somos? Pra onde vai o resto de
personalidade e espontaneidade que ainda possuímos? Será mesmo que ainda
possuímos?
Fiz uma viagem
pra fora de mim dia desses. Estava cansada desse casamento obrigatório de ser
eu mesma. Nunca era boa o suficiente pra nada. Não era legal o suficiente, nem
bonita, nem divertida, não tinha os melhores amigos do mundo e não estava
sempre de bom humor. Ou seja, eu não era normal.
Ser uma
estranha num mundo de normais era um peso que minhas costas não aguentariam
carregar. Precisava livrar-me daquela bagagem indesejada o mais rápido que
pudesse. Ser eu mesma era sim uma bagagem que não via a hora de despachar.
Resolvi então
partir em longa viagem, sem data de retorno. Sabe aquele sonho de fazer um mochilão
pelo mundo, conhecer tudo que for permitido? Eu fiz isso, da maneira mais cruel
possível.
O primeiro dia
fora de mim foi maravilhoso. Consegui fazer tudo que jamais faria, sem
remorsos. Afinal, remorsos são uma coisa minha, e eu não era mais eu.
Aventurei-me nos labirintos desconhecidos da minha vaga consciência, e pude
descobrir que de vaga ela não tinha nada. Nos lados mais obscuros, nas ruas sem
saída, eu guardava algumas criaturas. Elas aprenderam a me dominar e eu adorava
isso.
Estar fora de
mim era um alívio: alguém me dominava e eu não me dava nem ao trabalho de fazer
isso. Sentia-me mais leve do que nunca. Como as pessoas conseguem aguentar a
obrigação de pensarem o tempo todo para serem elas mesmas? De reprimir seus
instintos porque isso demonstraria fraqueza? Como leve é a vida que levo. Ou
sou eu que estive leve demais e fui levada?
Fui arrastada,
para os cantos mais obscuros que alguém poderia visitar.
Esqueci que um
dia fui alguém e hoje não era mais ninguém. Afinal, achei peso demais curvar um
pouco minhas costas pra que pudesse ao menos ser verdadeira comigo mesma. Mas
hoje, a dor de tentar manter uma postura correta é pior do que qualquer
curvatura de esforço.
Talvez essas
dores não tenham mais cura. Talvez eu não ache o caminho de volta pra minha
casa: eu mesma. Talvez fique aqui, perdida pra sempre, entre mares de monstros
que brotam nas esquinas da minha mente. Talvez eu prefira viver anestesiada e,
aí sim, nunca mais precisaria ser eu mesma.
Só me falta
saber se esse trabalho ainda cabe a mim. Se não cabe, quem está no meu lugar?
Um dos monstros que me fez nadar em seu mar? Garanto que seus comandos não
seriam de anjos.
Após essa
longa viagem pra fora de mim, hoje faço o possível pra voltar. Fui cegada pelas
luzes noturnas, e fiquei no frio da noite esperando por uma carona que nunca
viria. Acho que vou ter que achar esse caminho sozinha.
Com minhas
próprias pernas.
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