O
binóculo estava regulado. Bernardo sabia exatamente os horários em que devia
analisá-la, e procurava, por entre as cortinas, o melhor ângulo para assistir
seu cotidiano. Aquela velha era realmente muito estranha: estava em estado
terminal, já não conseguia nem se locomover direito por sua casa e, quase em
estado de putrefação, ela continuava viva. Ele, como uma boa criança, só queria
entender tamanho mistério. Para isso observava todos os dias, como agora fazia,
o dia-a-dia dessa pessoa tão estranha. Bernardo era assim, curioso ao extremo
e, por isso, não deixava passar qualquer vestígio de bruxaria.
Toc-toc.
Era sua mãe. Bernardo leva um susto e rapidamente esconde o binóculo, pega o
livro roxo de matemática, senta-se na cama e grita: pode entrar! Dona Marisa
entra docemente, ao som do barulho do seu salto alto indo ao encontro da
madeira do quarto, como sempre fazia quando ia pedir algo importante e,
geralmente, não muito bom. Ele já sabia que coisa boa não devia ser.
“Filho...”, ela disse. Primeira evidência: não chamou pelo nome. “Vá se arrumar
porque a Dona Clotilde nos chamou para tomar café com ela”. Era a velha, ele
pensou. Era o fim do mistério, era a descoberta da sua vida. Ele não podia
perder tempo. Vestiu sua camiseta velha com os dizeres “eu amo telletubies”,
pegou sua mochila de apetrechos e correu até a sala de estar, onde sua mãe já o
esperava.
Ao
entrar na casa da velha, o cheiro de bruxaria estava no ar. Imediatamente a
tal-da-dona-Clotilde veio e apertou-lhe as bochechas enquanto dizia, como se
falasse com um animal de estimação, “que coisa mais fofinha”. Ele só queria
descobrir qual era a praga daquela mulher, que era até gelada como defunto.
Assim que ela parou de apertá-lo, sua mãe pediu que lhe mostrasse a casa. Hora
perfeita para sair correndo fingindo que estava com dor de barriga. Ele, como
um bom detetive, já havia analisado toda a casa e, por isso, já sabia
exatamente para onde correr. Sua suposta dor de barriga deveria esperar, pois
ele tinha um plano: correr pro porão. Enquanto sua mãe exclamava “oh, onde você
conseguiu esse jarro cor de laranja com bolinhas pretas?” ele já estava longe.
Assim
que chegou lá encontrou o que precisava: uma espécie de laboratório do Dexter,
cheio de potinhos e plantas mortas. A eternidade daquela velha estava
explicada! Ele sabia que aquilo era um tesouro, por isso, imediatamente jogou
tudo dentro de sua mochila e, como um bom investigador, experimentou a primeira
mistura que viu e, sentindo-se com energias o suficiente para uma maratona,
saiu correndo antes que a velha o pegasse no ato. Passou pela sala de estar
como um raio de luz, onde sua mãe tomava um chazinho com Dona Clotilde e falava
sobre a novela das oito. Aconteceu o previsto: as duas saíram correndo atrás do
menino, que fugia como um digno atleta de olimpíada. Imediatamente a velha
bruxa compreendeu tudo que havia acontecido e gritou: ophou om te hardloop! E o
menino petrificou-se. A mãe de Bernardo estava apavorada e só conseguia
soluçar. Jamais imaginou que a paranoia que seu filho tentava esconder em
relação à vizinha era verdade.
Sem ver
outra saída, dona Marisa tirou do bolso sua varinha e se revelou a verdadeira
bruxa da vizinhança. Lançou em cheio um feitiço embalado por uma canção
misteriosa, que fez a velha bruxa dormir feito criança. Virou-se para seu filho
e, sem saber como reverter o feitiço, abraçou-o e petrificou-se junto a ele,
para que pudessem então, continuar juntos mesmo que nada acabasse bem.
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